em lusofonia
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"Compro livros em busca de encontrar a minha alma perdida, os desgostos ensinam-me a lê-los", Maisa Champalimaud
"Toda a literatura consiste num esforço para tornar a vida real. Como todos sabem, ainda quando agem sem saber, a vida é absolutamente irreal, na sua realidade directa; os campos, as cidades, as ideias, sao coisas absolutamente fictícias, filhas da nossa complexa sensação de nós mesmos. Sâo intransmissíveis todas as impressões salvo se as tornarmos literárias."
Fernando Pessoa
Recordo-me de ser criança bastante para ainda não saber ler, de ser criança bastante para ficar em casa enquanto os meus irmãos iam à escola. Recordo-me do silêncio que sentia quando entrava às escondidas no seu quarto e me entretinha a abrir os seus livros. Não os sabia ler, mas não era isso que me prendia a eles. O que me puxava, prendia sim, era o facto de estar a passar as mãos pelos locais onde os meus irmãos, os meus primeiros melhores amigos, tinham passado, estado, sonhado: Sentia-me um pouco como se estivesse com eles, acompanhada, de mão dada a viajar pelos mesmos mundos, a dar os mesmos passos...
Há uns anos atrás, confrontada com a ausência de alguém muito especial, enchi minha casa com os seus livros. Não me preocupou particularmente quem eram os autores ou quais as histórias, mas sim a presença de alguém que fora para mim tão importante, espalhada por todas aquelas páginas. A certeza de que em cada um desses livros, em cada página dessa quantidade imensa de livros, estaria um pouco de si, os seus passos tornando a minha sala cheia da sua presença. Voltei a recordar o silêncio que sentia no quarto dos meus irmãos e que tanta companhia me fazia.
Os livros, sejam eles novos acabados de sair da loja ou relíquias antigas passadas de mão em mão, têm o potencial de transformar uma vida. A capacidade de nos agarrar, acolher, aconchegar, fazer-nos ver que não estamos sós no universo, que as nossas dores, não são mais que dores, meras; que as nossas dúvidas, angústias, paixões e alegrias não são só nossas, mas de todos! Que passados anos, séculos de existência, todos passámos por semelhantes momentos, todos sentimos semelhantes sentimentos. Os livros relativizam a vida, fazem-nos companhia, falam connosco, enfim; imortalizam a experiência humana.
A vida ensina-nos a lê-los, mas são eles também que nos ensinam a vida.
Talvez por isso compre mais livros do que aqueles que consiga ler, por querer encontrar neles respostas para a alma.
Ao ser convidada para exaltar os intérpretes máximos da língua portuguesa, retratando escritores lusófonos pelo Mundo fora, não pude deixar de pensar que fazia todo o sentido retratá-los sobre o suporte que no fundo é seu: Os Livros.
Maisa Champalimaud 2014
“Faz dos livros teus companheiros. Deixa que as tuas estantes e prateleiras sejam os teus recreios e jardins."
Judah ibn-Tibbon
"As palavras abrem-nos a alma." Jasão Casimiro observou atentamente a inscrição a metal estampado. Começava já a acusar o entardecer e a luz
enrubescida pintava a paisagem em tons de bronze, salpicos de ferrugem soalheira sobre o verde dos campos. Atrás dele Eugénia das Flores, de seu nome Maria Eugénia e portanto assim chamada quando a informal conversa o permitia, aquecia o corpo ao sol mergulhada num leve sono. Dir-se-ia que passava pelas brasas. Jasão continuava não obstante absorto pela sua descoberta, preso ao magnetismo inescapável daquele invulgar engenho. Não sabia ler, mas aqueles estranhos caracteres, símbolos arcanos e retorcidos que nós sabemos serem letras mas há muito esquecidos nesse futuro distante e longínquo, faziam paradoxalmente sentido na sua cabeça. Guinchou e gesticulou na direcção de Maria Eugénia, que uma vez desperta lhe retribuiu a cacofonia. Ainda ensonada cambaleou na sua direcção, estremunhada mas também ela curiosa. Uivou. Pouco a pouco, criaturas seres humanos ergueram-se como flores, plantas e árvores de um jardim, naqueles campos verdes tingidos de metal férreo pelo Hélios poente. Convergiram sobre Jasão, Casimiro de seu nome, e portanto assim chamado quando a informal conversa o permitia, ainda que esta porém não acontecesse. Gesticularam, uivaram, gritaram, guincharam, riram, baliram, ladraram e cantaram. Mas não falaram. Não. Isso não sabiam fazer, coisa há muito esquecida nesse futuro distante e longínquo. Então ele retirou da caixa, a da inscrição a metal estampado, o objecto que a todos enfeitiçara: Um lusofóne. Deteve-se por um segundo, hesitante. Um temor respeitoso percorreu-o. Então pegou no aparelho, levou-o à boca e falou. Não guinchou nem gesticulou, não uivou ou ladrou, não gritou nem cantarolou. Falou. Falou palavras de falar, palavras do nosso Português. Palavras que todos compreenderam e repetiram, palavras que aprenderam, palavras que os uniram. Não só ali, naquele campo solarengo vespertino, mas em todo lado, em todos os continentes para onde navegaram, para onde espalharam a Palavra. Pois é esse o seu poder: Como dizia a inscrição, "As palavras abrem-nos a alma." Unem-nos.
Hugo Viera da Silva 2014
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